quinta-feira, 24 de maio de 2012

Primeiro Remédio - O Tempo



Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto, que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira, embota-lhe as setas, com que já não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.
- Antonio Vieira (1608-1697)

terça-feira, 22 de maio de 2012

Noção de Filosofia



A Física (no sentido moderno desse termo) é a ciência da energia sob suas diferentes formas. Na física, a essência do corpo permanece inalterável, pois os fenômenos físicos não a transformam. Portanto, algo existe que esta ciência não atinge, embora o pressuponha.

A Química é a ciência das espécies químicas e das mudanças que afetam sua estrutura molecular. Mas o átomo, ou qualquer partícula tida temporária e hipoteticamente por ultima divisão de quantidade, ela mesma é sujeita a uma composição ultraquímica, como, por exemplo, de essência e de existência.

A Matemática, que estuda o corpo composta só de quantidade, sem nenhuma qualidade física, deixa por isso muita fora de seu campo.

E deste modo para as demais ciências: todas elas se ocupam tão-somente de um aspecto, de uma parte das coisas em geral, nem tampouco de tudo de todas as coisas. Limitam-se a na determinação de uma parte das coisas. (Na realidade, coisa é sinônimo de ente. Por isso, em vez de coisa, uma linguagem mais perfeita pede o uso de ente.)

Contudo, uma ciência existe que trata de todos os entes e de todas as coisas, e no que eles têm de mais profundo. É uma ciência universal, é a rainha das ciências. E como ela se ocupa do ente em toa sua extensão, e não só de fenômenos, de acidentes como fazem as demais ciências, ela é o fundamento de todas as ciências.

Superiora que é, seu papel é indicar cada uma das ciências seu lugar; dirigi-las, servi-se delas e não servi-las.  Muito bem meus caros, essa ciência é a Filosofia.

sábado, 19 de maio de 2012

Agindo de acordo com o Criador Todo-Poderoso


Muito do que as pessoas fazem é em nome de Deus. Irlandeses explodem uns aos outros em nome de Deus. Árabes explodem-se a si mesmos em seu nome. Imames e aiatolás oprimem mulheres em seu nome. Papas e padres celibatários interferem na vida sexual das pessoas em seu nome. Judeus shohets cortam a garganta de animais em seu nome. As conquistas históricas da religião — cruzadas sangrentas, inquisições torturantes, conquistadores genocidas, missionários destruidores de culturas e toda resistência possível contra o progresso científico — são ainda mais impressionantes. E qual é a parte positiva? Fica cada vez mais evidente que a resposta é “absolutamente nenhuma”. Não há motivos para acreditar na existência de quaisquer tipos de deuses, mas razões bastante boas para concluir que não existem e nunca existiram. Tudo foi apenas um gigantesco desperdício de tempo e vidas. Uma verdadeira piada de proporções cósmicas, se não fosse tão trágico.


-Retirado e adaptado do livro "A Improbabilidade de Deus" - Richard Dawkins

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O Grande Truque


Um coelho branco é tirado de dentro de uma cartola. E porque se trata de um coelho muito grande, este truque leva bilhões de anos para acontecer. Todas as crianças nascem bem na ponta dos finos pelos do coelho. Por isso elas conseguem se encantar com a impossibilidade do número de mágica a que assistem. Mas conforme vão envelhecendo, elas vão se arrastando cada vez mais para o interior da pelagem do coelho. E ficam por lá. Lá embaixo é tão confortável que elas não ousam mais subir até a ponta dos finos pelos, lá em cima. Só os filósofos têm ousadia para se lançar nesta jornada rumo aos limites da linguagem e da existência. Alguns deles não chegam a concluí-la, mas outros se agarram com força aos pelos do coelho e berram para as pessoas que estão lá embaixo, no conforto da pelagem, enchendo a barriga de comida e bebida:
— Senhoras e senhores — gritam eles —, estamos flutuando no espaço!
Mas nenhuma das pessoas lá de baixo se interessa pela gritaria dos filósofos.


-Retirado e adaptado do livro "O Mundo de Sofia" - Jostein Gaarder