Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo
digere tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a
corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de
haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem
do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos
unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino, porque não há
amor tão robusto, que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o
armou a natureza o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira,
embota-lhe as setas, com que já não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que
não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda
esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os
defeitos, enfastia-lhes o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as
mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de
não amar, e o ter amado muito, de amar menos.
- Antonio Vieira (1608-1697)
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